O superintendente da Codevasf em Juazeiro (BA), Miled Cussa Filho, foi demitido após fornecer informações a uma investigação envolvendo a prefeitura do irmão de um deputado federal em convênios sob investigação da Polícia Federal.
Convênios entre a Prefeitura de Campo Formoso (BA) e a Codevasf para pavimentação de estradas, vencidos pela Allpha Pavimentação, são suspeitos de fraude e superfaturamento. A PF vê indícios de pagamento de propina para a escolha da empresa.
Em 8 de maio, Cussa Filho enviou ofícios ao MPF (Ministério Público Federal) e à CGU (Controladoria-Geral da União) detalhando o que a Codevasf havia apurado sobre o caso.
Os ofícios mostram que Elmo Nascimento, irmão de Elmar Nascimento (União-BA) e prefeito de Campo Formoso, levou os investigados pela PF a uma reunião sobre convênios que depois seriam fraudados.
Cussa Filho foi exonerado no dia seguinte, 9 de maio, pelo presidente da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), Marcelo Moreira.
Moreira foi indicado ao cargo por Elmar Nascimento e é descrito como “amigo e indicação nossa” por Francisco Nascimento, primo de Elmar, em mensagem analisada pela PF.
A Codevasf negou qualquer retaliação, afirmando ao UOL que exonerou o superintendente como uma “medida de precaução, que busca ampliar garantias de transparência e integridade”.
Um possível envolvimento de Elmar fez a Operação Overclean, que investiga o grupo suspeito de fraude a licitações, ser enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Foi encontrada uma transação imobiliária entre Elmar e Marcos Moura, o “rei do lixo”, um dos principais investigados. Além disso, planilha encontrada com outro empresário, Alex Parente, indica o pagamento de propina a um assessor de Elmar, como mostrou o UOL.
A indicação de Cussa Filho para a superintendência em 2021 também partiu inicialmente de Elmar Nascimento, assim como a de Moreira para a presidência.

Convênios para pavimentação
No final de 2022, ainda no governo Jair Bolsonaro, Elmar pediu que fossem enviados R$ 40 milhões a Campo Formoso via emendas de relator (“orçamento secreto”), pleito atendido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.
O município usou o dinheiro para duas licitações em convênio com a Codevasf, gerando dois contratos, de R$ 45 milhões e R$ 12 milhões, no final de 2023 e início de 2024.
As duas licitações foram vencidas pela Allpha Pavimentações. A PF encontrou diálogos e documentos que mostram indícios de um conluio entre o pregoeiro, Márcio Freitas dos Santos, o secretário municipal Francisco Nascimento, primo de Elmar, e os empresários, para que a Allpha vencesse os certames.
Trocas de mensagens demonstram que os empresários receberam informações antecipadas sobre as licitações, influenciando os termos das concorrências, fizeram pagamentos para Francisco Nascimento e uniram esforços com ele e com o pregoeiro para desclassificar concorrentes.
Reunião suspeita
As investigações apontaram que, em 16 de maio de 2023, antes das licitações, três suspeitos de integrar a organização criminosa —presos preventivamente no ano passado— estiveram em reunião na Codevasf em Juazeiro com Elmo Nascimento e Miled Cussa Filho.
Compareceram à reunião em Campo Formoso o empresário Alex Parente, dono da Allpha, Lucas Maciel Lobão Vieira, que então atuava como lobista para a empresa, e Evandro Balbino do Nascimento, outro suspeito de integrar a organização criminosa.
No ofício enviado pelo chefe da Codevasf de Juazeiro ao MPF e à CGU, obtido pelo UOL, o então superintendente afirma que, conforme apurado nos registros internos do órgão, os investigados foram levados à reunião por Elmo Nascimento.
Eles foram apresentados como representantes de uma empresa chamada Ativa Engenharia Ltda —na realidade, eram da Allpha Pavimentações, que estava interessada nos convênios.
“Na ocasião, os presentes, sem precisar se seriam todos ou alguns, foram apresentados como representantes da empresa Ativa Engenharia Ltda, alegadamente contratada pela Prefeitura de Campo Formoso para elaboração do projeto básico.
“Ademais, deve-se ressaltar que o prefeito de Campo Formoso, tal como já anotado em expediente anterior enviado ao município, foi o solicitante da reunião e também estava na referida reunião com a comitiva indicada acima”, diz o documento.
Na comunicação, Cussa Filho diz ter tomado medidas sobre suspeitas de irregularidades nos convênios antes da deflagração da operação Overclean, da Polícia Federal.
Em 21 de outubro de 2024, antes da operação, um ofício enviado à Prefeitura de Campo Formoso pela área técnica da Codevasf de Juazeiro apontou falhas na pavimentação, com dimensões menores do que as contratadas, indicando superfaturamento.
Logo após a operação, em 27 de dezembro, a Codevasf pediu informações à prefeitura e demandou que as irregularidades fossem saneadas.
Pedidos à prefeitura
Segundo uma nota técnica da Codevasf de 30 de abril deste ano, em um dos convênios, a Prefeitura de Campo Formoso ignorou, até agora, a recomendação para cobrar uma indenização da empresa ou obrigá-la a refazer os trechos em que foi identificado superfaturamento.
Esse contrato bancou a pavimentação de uma estrada que leva ao povoado de Limoeiro e, como mostrou o UOL, passa em frente à fazenda do pai de Elmar. A Codevasf deu mais 45 dias à prefeitura para sanear as irregularidades.
A Codevasf também identificou indícios de superfaturamento no outro convênio vencido pela Allpha, que liga os povoados de Lagoa do Porco e Lage dos Negros, e enviou um ofício em 5 de maio pedindo providências da prefeitura em até 45 dias.

Mais questionamentos
Enquanto superintendente, Miled Cussa Filho também oficiou a prefeitura de Campo Formoso em 17 de abril, pedindo explicações sobre a presença de investigados na Operação Overclean na reunião de 2023 como supostos responsáveis pelo projeto básico.
“A que título o sr. Lucas Maciel Lobão Vieira participou da reunião mencionada neste ofício? O sr. Lucas Maciel Lobão Vieira esteve envolvido (…) na elaboração do projeto básico que integrou o convênio em referência e foi utilizado no processo licitatório no qual a empresa Allpha Pavimentações logrou-se vencedora?”, perguntou.
Na realidade, segundo a Codevasf, o projeto básico depois foi apresentado pelo município com dados da empresa Mais Construção e Serviços de Engenharia Ltda, que não teria nenhuma relação aparente com a Allpha ou a “Ativa Engenharia”.
O órgão questionou a Prefeitura de Campo Formoso sobre qual foi a participação desses empresários, portanto, na elaboração do projeto. Não houve resposta até agora.
O UOL não conseguiu localizar a empresa que se chamaria Ativa Engenharia Ltda na qual os citados teriam participação.
Outro lado
A Codevasf disse que a “recente confirmação interna de que houve participação de representante de empresa privada em reunião que tratou de convênio mantido entre a Codevasf e a Prefeitura Municipal motivou a substituição na gestão da Superintendência”.
“Trata-se de medida de precaução, que busca ampliar garantias de transparência e integridade.”
A estatal afirmou ainda que “os processos de convênios firmados pela Codevasf com a Prefeitura Municipal (de Campo Formoso) foram encaminhados pela Companhia para auditoria especial”.
A Prefeitura de Campo Formoso e as defesas da Allpha Pavimentações, Lucas Lobão e Evandro Balbino foram procuradas, mas não responderam. Elmar Nascimento nega ter cometido qualquer irregularidade relacionada aos fatos apurados pela Operação Overclean.
Fonte: UOL