Símbolo da esquerda latino-americana, Mujica foi guerrilheiro, prisioneiro político e presidente. Deixa legado de simplicidade, resistência e luta por justiça social.
José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai e ícone progressista da América Latina, faleceu nesta terça-feira (13), aos 89 anos. A morte do líder uruguaio foi confirmada pelo atual presidente do país, Yamandú Orsi, considerado um dos herdeiros políticos de Mujica. A notícia foi recebida com comoção tanto no Uruguai quanto internacionalmente, onde Mujica era admirado por seu estilo de vida austero, sua trajetória de luta e suas ideias humanistas.
Mujica havia revelado em abril de 2024 que estava com um tumor no esôfago, com o órgão já bastante comprometido. Em janeiro deste ano, declarou que o câncer havia se espalhado, tornando seu quadro de saúde ainda mais delicado. A situação era agravada por uma doença imunológica crônica, que afetava seus rins há mais de 20 anos.
Na segunda-feira (12), sua esposa, Lucía Topolansky, também ex-vice-presidente do Uruguai, anunciou que Mujica estava em estado terminal e recebia cuidados paliativos.
Uma vida marcada pela luta e pela resistência
José Alberto Mujica Cordano nasceu em Montevidéu, em 20 de maio de 1935. Ainda jovem, envolveu-se com o Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, uma organização guerrilheira de esquerda que ganhou notoriedade nos anos 1960 por ações ousadas, como o assalto a bancos e a distribuição de alimentos e dinheiro roubado entre os mais pobres.
Sua atuação como guerrilheiro o colocou na mira do regime militar. Durante esse período, Mujica foi baleado quatro vezes e preso em 1972, após escapar da cadeia duas vezes. Ele passou 14 anos na prisão, em condições extremamente precárias, incluindo longos períodos na solitária. Era considerado um dos prisioneiros “sequestrados” pela ditadura, o que significava que poderia ser executado sumariamente caso o grupo Tupamaros voltasse a realizar ataques armados.
Mujica só foi libertado em 1985, com a aprovação de um decreto de anistia, após o fim do regime militar. A partir daí, ingressou formalmente na política institucional e ajudou a fundar o Movimento de Participação Popular (MPP), um dos principais partidos de esquerda do país.
Da prisão à presidência
A trajetória de Mujica na política democrática foi ascendente. Foi eleito deputado em 1994, depois senador em 1999. Em 2005, com a eleição de seu correligionário Tabaré Vázquez, foi nomeado ministro da Agricultura, cargo que exerceu até 2008.
Dois anos depois, em 2010, Pepe Mujica foi eleito presidente do Uruguai, cargo que ocupou até 2015. Seu governo foi marcado por políticas progressistas e por um estilo de liderança que chamava a atenção do mundo: recusava luxos, doava parte do salário e vivia com simplicidade em sua chácara nos arredores de Montevidéu.
Entre as principais ações de seu governo estão a legalização da maconha, a regulamentação do aborto, o casamento igualitário e uma política externa baseada no respeito aos direitos humanos e na integração latino-americana. Mujica também ficou conhecido por seus discursos filosóficos e por defender uma vida menos consumista e mais solidária.
O presidente mais humilde do mundo
Durante e após seu mandato, Mujica ganhou o apelido de “presidente mais pobre do mundo”, embora ele mesmo rejeitasse o termo, dizendo: “Não sou pobre, sou sóbrio. Pobre é quem precisa de muito para viver.”
A imagem de Mujica dirigindo seu velho Fusca azul e vivendo sem segurança armada ou ostentação conquistou milhões de admiradores mundo afora. Ele se tornou símbolo de uma política ética, coerente e comprometida com os mais vulneráveis.
Legado e comoção internacional
A morte de Pepe Mujica marca o fim de uma era na política latino-americana. Seu legado ultrapassa as fronteiras do Uruguai e ecoa por toda a região, especialmente entre os setores que ainda acreditam em uma política movida por ideais e empatia.
Líderes de diferentes países expressaram pesar pela morte de Mujica. Nas redes sociais, o atual presidente Yamandú Orsi destacou a coragem e a dignidade de seu antecessor: “Pepe não foi apenas um presidente. Foi um exemplo de resistência, de coerência e de amor ao povo.”
Personalidades políticas brasileiras como Lula, Dilma Rousseff e Guilherme Boulos também se manifestaram, ressaltando a importância histórica de Mujica para a democracia e os direitos sociais na América Latina.
